Eu sou o Pão da Vida — A beleza da santidade

… quem vem a mim jamais terá fome … (João 6:35)
Gostaria de começar essa meditação com o título do livro de José Maraschin, colega de caminho, presbítero da Igreja de Cristo, militante pela vida e pela beleza. “E Deus viu que era bom” (Genesis 1.10;12;18;21;25;31). A palavra traduzida do hebraico tov por “bom” pode muito bem ser traduzida por “belo”. Diz o salmista então “adorai ao Senhor na beleza da santidade” (Sl 29.2b). Pão e beleza são fundamentais para a vida, de toda a criação.
Maraschin continua nos lembrando de que a liturgia (serviço público) é a expressão pro mundo da “reunião do divino com o ser humano na plenitude da beleza”. E neste jeito de se expressar, o pão tem um lugar central, centrífugo e centrípeto. Ele junta para enviar. Sem dúvida nenhuma o pão, a comida, a refeição comunitária, foi uma das primeiras expressões sacramentais da vida em Cristo. O pão é o alimento físico, mas também relacional, psicológico, espiritual, prazeroso.
Num mundo desigual e injusto, em sua maior parte, a Eucaristia, o Pão da Vida, é central para a nossa fé e nossa espiritualidade (a expressão pública desta fé). As primeiras comunidades entenderam bem essa centralidade da refeição e partilha de outros recursos, de estar presentes (seja fisicamente ou em espírito e mente), de preocupar-se com quem chega depois ou não está ainda, de por a mão no bolso para que “não haja pobres em vosso meio” (Dt 15.4), de pegar o que necessita porque senão estariam roubando de quem não pegou ainda, de olhar-se e conectar-se profundamente sabendo que não estavam sozinhas/os.
Eu sou o Pão Vivo declarou Jesus. Nós acreditamos por isso nos reunimos para celebrar essa memória, no sacramento da reunião da comunidade e da eucaristia, no “depois do culto” quando nos reunimos para conversar e comer (claro). O Pão, que é Jesus, é para algumas pessoas o pão físico mesmo, o alimento do dia-a-dia, que faz com que essas pessoas possam seguir adiante para um outro dia. O Pão é a nossa presença carinhosa e cuidadosa de umas para com outras, de uns para com outros. O Pão é nosso encontro profundo, espiritual com Deus da Vida que nos fortalece e nos alimenta cotidianamente. O Pão é a palavra que edifica e que cura que sai de nossos lábios: “Senhor abre meus lábios e a minha boca proclamará o teu louvor…” (Sl 51.15). Hoje com o vírus ameaçando nossa existência, o Pão são as máscaras, a cesta básica e o material de higiene, o acesso a água limpa. Muita gente não possui esse acesso. Estão com fome, sem roupa, doentes, presas… e é Jesus, o pão da Vida, que nos chama para acolher e dar de comer, vestir, cuidar e libertar (Mt 25.31–46).
Em tempos, mais incertos e temerosos do que outros vividos, precisamos de todos esses pães. Uns mais do que outras/os. Uns tem alguns desses pães ou todos, outros não os tem, ou tem só alguns. Por amor e cuidado estamos jejuando da Eucaristia presencial. Mas o amor e a graça infinita de Deus não nos impede da Comunhão Espiritual. Afinal, “onde dois ou mais estiverem reunidas/os em meu nome, eu estarei no meio…”, prometeu Jesus (Mt 18.20).
Texto escrito para uma meditação para a comunidade da Catedral Anglicana de Brasilia, Diocese Anglicana de Brasilia, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, em tempos de pandemia — Maio/2020